Saiba a origem e o
significado de ditados e expressões
Palavras apropriadas pelo ditos mudaram de sentido.
Mesmo assim, permanecem sendo faladas
- Carolina Pompeo
Muitas
expressões que falamos hoje nasceram séculos atrás, com outra forma e outro
sentido. A tradição oral se apropria das palavras e seu sentidos e promove
adaptações conforme o contexto histórico. O professor de Língua Portuguesa
Reinaldo Pimenta diz que a história das palavras é a história do próprio homem.
“Elas nascem e atravessam idiomas, mudando quase sempre na forma – para se
adaptarem à fala de um povo – e muitas vezes no conteúdo, revelando o olhar e o
pensar dos novos usuários”, escreveu na apresentação do livro A Casa da Mãe
Joana, uma coleção de origens curiosas de palavras e frases populares.
A
professora de Língua Portuguesa do Colégio Marista Paranaense, Eliane Viture,
explica que as expressões populares são criadas por meio do senso comum, da
aplicação de conceitos religiosos, morais e filosóficos. “São expressões
utilizadas no nosso cotidiano, vencendo a barreira do tempo. São parte da cultura
de um povo, uma comunidade. Além de uma forma de comunicação, também enriquecem
a língua, pois as palavras unidas possuem significados distintos dos vocábulos
isolados.”
A Gazeta
do Povo resgatou a história por trás de algumas das expressões mais comuns
do linguajar coloquial brasileiro:
Abraço de tamanduá
Tamanduá
tem origem no tupi (tá-monduá) e dá nome a um caçador de formigas. Mamífero e
desdentado, o bichinho parece não representar grande perigo para ninguém. Ledo
engano. Não é à toa que “abraço de tamanduá” ganhou o sentido de “abraço de
amigo falso”. Quando o tamanduá avista um inimigo, ergue-se nas patas traseiras
e abre as dianteiras para aquele abraço. Diante de recepção tão calorosa, o
inimigo se aproxima. É aí que o tamanduá se revela: abraça a vítima e lhe crava
as unhas nas costas.
Arranca-rabo
Atire a
primeira pedra que nunca teve ou testemunhou um arranca-rabo na vida? Pois é, a
expressão faz referência a uma grande discussão ou briga envolvendo muitas
pessoas. A origem da expressão remonta às batalhas de muito antigamente, quando
arrancar o rabo do cavalo do inimigo era visto como uma façanha digna dos
maiores guerreiros. A mania chegou a Portugal e ao Brasil – aqui, os
cangaceiros aderiram à prática e passaram a descaudar o gado das fazendas como
forma de humilhar os proprietários.
Rodar a baiana
Quando
alguém ameaça rodar a baiana, sai de perto: é confusão na certa. Mas e a
baiana, o que tem a ver com gente armando barraco?
A
expressão tem origem no carnaval do início do século 20, quando alguns
engraçadinhos tinham a péssima mania de distribuir beliscões no bumbum das
mulheres. As tradicionais baianas também eram vítimas do assédio. Revoltadas,
passaram a desfilar com capoeiristas disfarçados, fantasiados tal qual uma
baiana. Porém, ao receber um beliscão inapropriado, os capoeiristas revidavam
com navalhas. Eis a cena: beliscão, giro da baiana, confusão.
O fim da picada
Picada é
aquela faixa limpa de terra, entre a roça e o mato, para evitar que o fogo
ateado no roçado não alcance o mato. O fim da picada é, portanto, um local
perigoso para quem estiver ateando o fogo no roçado. Picada também é a trilha
feita geralmente a facão para facilitar a passagem por meio da mata e marcar o
caminho para a volta. Uma pessoa que desaparece em uma dessas trilhas é
facilmente encontrada pois, em tese, basta seguir a picada. Mas, se se chega ao
fim da picada sem encontrar o desaparecido, significa que algo muito grave
aconteceu com a pessoa – do contrário, a picada continuaria. Assim, fim da picada
serve para falar de situações ruins, absurdas.
Tirar o pai da forca
Todo
mundo sabe que a criatura que vai tirar o pai da forca está apressada. A origem
da expressão está em Santo Antônio, o casamenteiro. A história conta que
Antônio fazia um sermão no convento de Arcella, onde vivia, quando soube que
seu pai havia sido condenado à forca. Antônio então teria colocado a mão no
rosto, transportado-se espiritualmente para Lisboa e defendido o pai no
tribunal, conseguindo sua absolvição. Para quem ouvia seu sermão, no convento,
passou apenas um instante de silêncio. Eles sequer poderiam desconfiar a
manobra que Antônio acabara de fazer para salvar o pai.
Cheio de nove horas
Aposto
que você conhece alguém “cheio de nove horas”. A expressão é utilizada para dizer
daquela pessoa cheia de frescuras e manias. Mas e o que as manias alheias têm a
ver com nove horas? O pesquisador Luís da Câmara Cascudo, no livro Locuções
tradicionais do Brasil, explica que, no século 19, a marca das nove horas
da noite era uma espécie de regulador da vida social brasileira. Quando o
relógio marcava 21 horas, era hora de se despedir das visitas e convivas e se
recolher. Estender-se não pegava bem. Aqueles avistados pelas ruas depois das
nove horas eram associados à boemia, aos pândegos.
Uma
pessoa cheia de nove horas é, portanto, aquela pessoa meticulosa, cerimoniosa,
apreciadora de regras e restrições, afeita aos códigos sociais que muitas vezes
apenas complicam o que é simples.
Onde Judas perdeu as botas
Embora
não haja registro ou nem mesmo indícios nos relatos bíblicos de que Judas
Iscariotes, o discípulo que delatou Cristo, usasse botas, uma antiga história
popular dá conta de que o traidor escondeu a recompensa recebida por entregar
Cristo aos judeus justamente em um par delas. Como até hoje ninguém conseguiu
encontrar as botas recheadas de moedas, diz-se “onde Judas perdeu as botas”
daqueles lugares longínquos ou quando nem promessa a São Longuinho ajuda a
encontrar um objeto perdido.
Pensar na morte da bezerra
Outra
expressão alterada pela tradição oral. A original dizia “Pensar na morte do
Bezerra”, pois fazia menção à morte de um homem de nome Bezerra que, após ser
acusado de um crime hediondo, teria sido espancado por populares até a morte. O
episódio teria sido tão violento que quando alguém era flagrado com ar
pensativo, dizia-se que estava “pensando na morte do Bezerra”. Hoje, a frase é
evocada na mesma situação, mas agora o indivíduo pensativo, preocupado, está é
pensando na morte da bezerra mesmo.
Sem eira, nem beira
Um
sujeito sem eira nem beira é aquele sem dinheiro e sem juízo. Antigamente, a
eira era um detalhe do acabamento dos telhados das casas. Aqueles que possuíam
eira e beira eram pessoas de posses, dinheiro e cultura. Então, quem não tinha
eira nem beira eram aqueles menos abastados.
Espírito de porco
A
expressão designa uma pessoa inconveniente, atrapalhada, incômoda. No Brasil
Colônia, os escravos faziam todo tipo de trabalho, mas tinham verdadeiro pavor
de abater porcos. A crença popular dizia que os espíritos suínos atormentavam
seus algozes durante à noite.
Ir para a cucuia
Fala-se
que o falecido “foi para a cucuia”. A expressão surgiu no Rio de Janeiro, em um
bairro da Ilha do Governador chamado Cacuia. Quando algum morador da região
falecia, os conhecidos diziam que a pessoa foi para o cemitério da Cacuia. A
tradição oral transformou Cacuia em cucuia.
Fontes:
Acervo Saber (http://www.acervosaber.com.br/)
Na Casa
da Mãe Joana (Reinando Pimenta)
Locuções
Tradicionais do Brasil (Luís da Câmara Cascudo)
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