13 de maio
Lei Áurea: 128 anos da abolição da escravatura e a ação de liberdade
Em 1882, no Recife/PE, o escravo Simplício Manoel pleiteou por meio de ação judicial algo extremamente caro a todo cidadão e que, à época, beirava um sonho áureo: sua liberdade.
Simplício era representado pelo notável advogado e jurista Tobias Barretto, formado pela Faculdade de Direito da capital e uma das figuras mais importantes do movimento intelectual conhecido como a Escola do Recife. Verdadeiro mestre da oratória, ocupou, ainda, a cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Letras.
No processo cível em questão, em que figurava no outro polo da demanda o proprietário do escravo, Ernesto & Leopoldo, discutia-se o valor a ser pago para obter a carta de alforria. Ernesto & Leopoldo – Ernesto José Felippe Santiago e Leopoldo José Felippe Santiago – eram donos, à época, de uma loja de joias, estabelecida na Rua do Cabugá.
Sem acordo em relação ao preço do escravo, o proprietário requereu que peritos fossem chamados para atribuir um valor ao escravo. Durante audiência de avaliação, o perito desempatador achou ambos os laudos excessivos – um muito alto e outro muito baixo. Em respeito ao direito de propriedade, entretanto, desempatou pelo laudo do perito do proprietário, no valor de um conto de réis.
Considerando esse arbitramento irregular e prejudicial a seu representado, Tobias Barretto peticionou ao juiz para que se realizasse novo arbitramento. Finalmente, as duas partes entraram em acordo para que fosse pago o valor de seiscentos mil réis.
Em 13 de novembro de 1882, Simplício Manoel tornou-se um homem livre.
Figura 1: Petição que solicitava nova avaliação do escravo. Figura 2: Declaração que concedeu
liberdade a Simplício Manoel.
liberdade a Simplício Manoel.
Escravidão e a Justiça
As ações de liberdade tinham como marco inicial de seu processo de tramitação o recebimento pelo juiz de requerimento, assinado por pessoa livre, a pedido do escravo. O magistrado procedia à nomeação de um curador e, então, ordenava o depósito - lugar onde o escravo ficava geralmente aos cuidados do curador.
Em seguida, o curador procedia à feitura de um requerimento expondo as razões pelas quais o representado pedia sua liberdade. Embora houvesse possibilidade de resolução amigável da questão, o advogado do réu, senhor do escravo, normalmente apresentava outro requerimento, em defesa de seus interesses.
Testemunhas eram ouvidas, provas colhidas, laudos feitos, e, como tradicionalmente, ao final o juiz apresenta um relatório do processo com sua decisão, passível de recurso.
Legislação
A garantia de ser dono de seu próprio arbítrio, entretanto, não foi um processo simples. Foi fruto de árduos conflitos entre senhores e escravos, políticos e intelectuais, abolicionistas e escravistas, e culminou, em 13 de maio de 1888, com a promulgação da lei Áurea.
Plenário do Senado no dia da edição da lei áurea.
A legislação, utilizada nesse caso favoravelmente aos escravos, foi por séculos instrumento repressor, tendo as disposições variado em larga medida do século XVI ao XIX, indo da permissão ilimitada ao escravismo, às restrições ao tráfico e, enfim, à abolição.
Entre as normas emblemáticas do período estão o alvará de 10 de março de 1682, que instituiu medidas de repressão aos quilombolas de Palmares; e o alvará de 16 de janeiro de 1773, que determinou que todos os escravos residentes em Portugal que se encontravam na quarta geração de cativeiro e os que nascessem a partir da publicação da lei, e estivessem na terceira geração, seriam libertados.
O Tratado de Aliança e Amizade, por sua vez, assinado pelo príncipe João em 1810, foi o instrumento por meio do qual se firmou compromisso com a Inglaterra no sentido da abolição gradual do comércio de escravos no Brasil. Da mesma forma, a lei Eusébio de Queiroz, de 4 de setembro de 1850 foi um marco na efetiva abolição do tráfico de escravos, estabelecendo medidas para sua repressão.
A lei do ventre livre, por seu turno, sancionada pela princesa Isabel em 28 de setembro de 1871, foi mais um passo na direção do fim da escravatura, ao declarar "de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros", e providenciar "sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos".
A lei dos sexagenários, de 28 de setembro de 1885, então, concedeu a liberdade aos escravos maiores de sessenta anos. Em clima de forte ebulição social, o país assistiu, em 1888, à princesa decretar a abolição da escravatura e transformar os rumos da história.
LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE 1888
Declara extinta a escravidão no Brasil.A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império.Princeza Imperial Regente
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Após a promulgação da lei, os jornais comemoraram a extinção da escravidão no Brasil. Em editorial de 13 de maio de 1888, A Provincia de São Paulo, atual O Estado de S.Paulo, anunciava que "a lei que vai afirmar o voto nacional sai do parlamento no meio de festas".
"É o inverso do que nos ensina a história. A libertação dos escravos faz-se no Brasil por um acentuado movimento da opinião, pela capitulação franca das últimas forças de resistência, pela desagregação dos elementos conservadores, mas em plena paz, sem perturbação da ordem, pelo congraçamento dos combatentes da véspera."
Dois dias depois da promulgação da lei, em 15 de maio, o periódico comemorou: "Já não há mais escravos no Brasil".
"Aí está uma vitória esplêndida da opinião, a afirmação do quanto pode um povo quando sabe fazer valer a sua vontade."
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