domingo, 22 de maio de 2011

Atropelando o humanismo

Atropelando o humanismo

Daniel Piza
O Estado de São Paulo maio/2011

Nunca antes tivemos tanta liberdade, informação e consumo, em termos gerais. Mas o que temos feito disso? A liberdade se confunde facilmente com o egoísmo, com a exaltação publicitária do “eu faço o que quiser” e o medo de assumir compromissos. A informação não produz cidadãos mais conscientes e debates melhores, pois poucos se interessam por ideias gerais e pelo que aconteceu antes de nascerem. O consumo se torna patologia, em que sempre se olha para o que não se tem, ou seja, para o que o outro tem, mesmo que não haja a menor necessidade de ter aquilo. Com tanta valorização do dinheiro e da aparência, fica mais difícil encontrar amizade e amor verdadeiros, que dependem da confiança no outro em momentos difíceis; e se deterioram rapidamente a arte da conversa e o gosto pela leitura, sem os quais é difícil vencer a imaturidade. Em uma frase, o humanismo tem sido atropelado por nossa vida acelerada.

Abro um site noticioso, por exemplo, e lá estão as notícias mais lidas do dia: “1) Ivete Sangalo cai no palco durante show em Petrolina; 2) Rafinha Bastos causa polêmica após brincar sobre órfãos no Dia das Mães; 3) Elefante de filme com Robert Pattinson sofreu maus tratos; 4) Whitney Houston começa a fazer novo tratamento de reabilitação; 5) Justin Bieber se defende de críticas de atriz de CSI”. Parem o mundo, quero descer! Você pode dizer que boa parte da culpa é da mídia, mas note que nenhuma dessas “reportagens” estava no alto da página, onde se costumam pôr as manchetes mais importantes. E você pode alegar que a permanência em cada uma dessas páginas não passa de 30 segundos, que então o leitor não lhe dá tanta relevância, mas quem disse que a maioria vai gastar mais de um minuto em um assunto mais relevante? Celebridades são “seguidas” mais e mais porque parecem ter tudo: beleza, bajulação e bilhões.

Fala-se muito que nossos tempos são marcados pela diversidade, por não haver tendências hegemônicas, etc. No entanto, li há algum tempo Danuza Leão descrevendo um jantar de dez casais, digamos, no qual oito das mulheres usavam a mesma marca de sapato, com a mesma sola vermelha. A pior uniformidade, porém, é a mental. É a que dita que não basta ter meia dúzia de bolsas, não basta ter um carrão, não basta levar as crianças para uma praia; é preciso ter dezenas de bolsas, carrões ainda mais vistosos, fotos das crianças em Paris. Como disse o escritor Pedro Bandeira, o brasileiro dá mais valor a um tênis do que a um livro. Afinal, está disposto a pagar R$ 300 pelo primeiro, mas diz que R$ 40 pelo segundo é caro – assim como diz que não tem tempo para ler, mas passa horas e horas diante da TV ou nas redes virtuais. A capacidade de concentração está em declínio; muitas coisas são feitas ao mesmo tempo, nenhuma com a devida consistência. Exibir vale mais que saber.

Outra consequência desse mundo cada vez mais frívolo se mostra em ambientes de trabalho de todos os tipos. De olho nas promoções e nos bônus, passar o colega para trás começou a ser atitude elogiável, assim como trabalhar mais horas, mesmo que em prejuízo da vida familiar e do ócio. Funcionários dão aos clientes a desculpa de que “o sistema não permite”, incapazes de contestar essas ordens para não ser acusados de não ter “inteligência emocional”. Nas ruas das grandes cidades, a gentileza vai sarjeta abaixo; SUVs fazem uma luta darwinista pela sobrevivência do mais caro. Mulheres optam pelo papel de bonequinhas de ricaços, e há mais e mais estilistas para vesti-las e cirurgiões para repuxá-las. Jovens vivem com os pais até quase os 40 anos, enfileirando cursos e bicos para adiar a responsabilidade de uma carreira decente e continuando a se vestir do mesmo jeito. Crianças dizem que seu sonho é serem famosas, não importa em quê ou como.

A esta altura, alguns leitores podem estar pensando que esse consumismo e essa alienação são produtos do capitalismo ou da modernidade. Mas o fatalismo ideológico, marxista ou culturalista, não leva a lugar nenhum. Sem o capitalismo moderno, em que a busca do lucro é moderada por regras comuns e em parte transformada em benefícios coletivos, não teríamos tanta liberdade, informação e consumo. Nem preciso dizer como liberdade e informação são fundamentais, para evitar tiranias e respeitar diferenças, e mesmo o consumo tem papel importante em nosso conforto e, sim, em nossa identidade. A culpa não é do sistema, mas do que fazemos dele. Para contrapor essa onda de individualismo exacerbado é preciso uma mudança de mentalidade, não o aumento ou a diminuição do Estado, e relembrar os valores das qualidades interiores e da cultura geral, daquilo que não se pode rotular a partir da forma e do status. “Ninguém sabe o que sou quando rumino”, escreveu Machado de Assis, cansado de ser julgado por seu aspecto exterior. Ser não é aparecer.












Oceano processual

Ministro Cezar Peluso fala da sobrecarga de processos no Judiciário e da luta do STF pelo Estado laico

14 de maio de 2011
Laura Greenhalgh - O Estado de S. Paulo

WASHINGTON - Num dos imponentes salões da Biblioteca do Congresso dos EUA, em Washington, entre afrescos, obras de arte e móveis de época, um grupo de juízes brasileiros e americanos reuniu-se por dois dias nessa semana para debater um temário que abrangia de abstrações em torno do conceito de democracia ao relato minucioso de casos de tráfico de influência, desvio de verbas públicas, compra de votos, lavagem de dinheiro e outros delitos rombudos acontecidos em ambos os países. À entrada do salão uma discreta placa informava a natureza do evento: "Brazil-United States Judicial Dialogue".

Realizado pela primeira vez em 1998 e repetido agora por iniciativa do Woodrow Wilson International Center for Scholars e da Georgetown University, esse diálogo não governamental entre Judiciários dos dois países reuniu, da parte brasileira, uma delegação reforçada - dois ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros Ellen Gracie e Gilmar Mendes, além do atual, ministro Cezar Peluso, e ainda o colega Ricardo Lewandowski, que acumula a presidência do Superior Tribunal Eleitoral (STE), fora magistrados, professores de direito e advogados de renome. Do lado americano, nem a presença de Clifford Wallace, veterano juiz da Corte de Apelações dos EUA, conseguiu balancear o encontro, que acabou pendendo para o contexto brasileiro.

Nesta entrevista exclusiva concedida ao fim de uma jornada de discussões em Washington, o ministro Peluso admite: a troca de experiências no campo legal é importante, talvez fundamental, desde que respeitadas as diferenças entre os dois países. "É claro que os americanos conhecem o volume impressionante de casos em tramitação na Justiça brasileira. E eles até tentam sugerir soluções. Mas a verdade é que só agora nós começamos a discutir essa crise na sua complexidade", afirma Peluso, cuja missão no momento é levar adiante a chamada PEC dos Recursos, visando a aliviar a sobrecarga de casos em julgamento nas cortes superiores - STF e STJ. Neste ponto, a comparação é acachapante: enquanto os juízes do Supremo precisam decidir em torno de 80 mil casos por ano, seus colegas americanos se concentram no julgamento de apenas uma centena.

O presidente do STF também fala da recente votação por unanimidade sobre direitos da união homoafetiva, reclama maior reconhecimento público de outra votação histórica da Casa, a da liberação das células-tronco embrionárias para pesquisa científica, e diz que o Supremo não tem por que ceder a pressões de grupos religiosos na votação de outras questões polêmicas, como a autorização para aborto de fetos anencéfalos: "Nossa decisão sempre buscará reforçar a laicidade do Estado brasileiro".

Ministro, que impressão fica para o senhor desse diálogo entre magistrados americanos e brasileiros?

Uma boa impressão. Tanto a exposição dos brasileiros quanto dos americanos surpreenderam pela tentativa de buscar pontos de contato, embora os dois lados tenham conhecimento das particularidades de cada sistema judiciário.

Os juízes americanos parecem se impressionar com o alto número de processos tramitando na Justiça brasileira.

Não, eles não estranham porque os números do Judiciário brasileiro são conhecidos internacionalmente, tanto que o juiz Clifford Wallace fez referência a sistemas com volume de casos igual ou superior ao nosso, como o da Índia, com mais de 300 mil processos tramitando anualmente na Suprema Corte. Os juízes americanos procuram entender esse quadro para oferecer sugestões, mas trata-se de uma discussão que só recentemente vem sendo feita pelo Conselho Nacional de Justiça. Tem a ver com mudança de mentalidade na magistratura e na formação dos juízes. Os jovens saem da faculdade razoavelmente preparados para discutir questões do direito, mas sem noção de como lidar com a administração de um processo. Entram num concurso de magistratura, são aprovados e no dia seguinte passam a julgar. Ampliado para todo o sistema, gera-se uma lentidão tremenda.

Isso vem ao encontro da sua missão neste momento, ao apresentar a PEC dos Recursos como forma de descongestionar tanto o STF quanto o STJ, ou seja, grande parte das decisões julgadas pelos tribunais de segunda instância não subiria para os tribunais superiores. Mas com isso o senhor tornou-se alvo das críticas da OAB, que fala até em cerceamento do direito de defesa.

Não aceito a crítica de que o projeto coloca em risco a liberdade do indivíduo. Nos últimos dois anos, num universo de 70 mil processos levados ao Supremo, os recursos extraordinários na área criminal foram 5.700, menos de 10%. Destes, deu-se provimento a apenas 155. Destes 155, 77 foram recursos do Ministério Público, ou seja, o provimento do Supremo foi em favor da acusação, o que agravou a situação dos réus. Houve apenas um caso em que se deu provimento em favor do réu. Um caso! Isso mostra que não há risco para a liberdade do indivíduo. A proposta também não mexe no habeas corpus, como não elimina o recurso extraordinário. Onde está a mudança? Está em que a admissibilidade dos recursos não impedirá o trânsito em julgado. Se alguém for condenado, já vai, a partir da decisão do tribunal local, cumprir pena, mesmo se vier a usar o recurso extraordinário.

Limitar recursos resolveria a protelação no Judiciário?

Não é só protelação, há uma cultura da litigância no Brasil que tem a ver com a formação profissional. Nossos estudantes de direito são preparados para litigar. Existem no currículo das faculdades cursos específicos de conciliação, mediação e arbitragem? Que eu saiba, não. Os estudantes não são preparados para usar instrumentos da negociação. São formados na cultura dos adversários. Ou dos gladiadores, como bem disse o jurista americano Jon Mills.

O estudo Supremo em Números mostra que os grandes litigantes no Brasil são INSS, órgãos públicos federais, estaduais e municipais, bancos e telefônicas. Então, já se sabe quem congestiona o Judiciário.

Há um lado positivo nesses levantamentos, pois permitem que se faça um diagnóstico preciso dos pontos de estrangulamento do sistema. E, ao ficar claro quem são os maiores litigantes, eles próprios repensam suas atividades, de modo a não arcar com essa sobrecarga. Até porque há uma responsabilidade social na lentidão do Judiciário. Não é à toa que nenhum dos grandes litigantes criticou os termos da PEC. Curioso, não?

O Supremo tem sido acusado de hiperativismo no controle constitucional, ao mesmo tempo que reclama do volume de casos com que precisa lidar. Enfim, para que direção aponta a Casa?

O Supremo sempre aponta para os interesses gerais da sociedade. Essa acusação de ativismo não é exclusiva da Suprema Corte do Brasil. Nos EUA, sérios problemas que deveriam ter sido resolvidos no plano legislativo, ou na área administrativa, só tiveram solução social satisfatória com a intervenção da Suprema Corte. Foi assim inclusive com o racismo. No Brasil lidamos com uma Constituição analítica, bem diferente da americana, com seus poucos artigos. A nossa Carta cuida de uma série de matérias que poderiam ser regidas por lei ordinária. E isso tem explicação: a Constituição de 88 foi editada após longo período de autoritarismo, quando os constituintes resolveram regular tudo. Daí o Supremo ser acionado com tanta frequência. E, veja bem, uma vez acionado, ele decide. Isso já foi chamado de "ativismo judicial a convite constitucional", o que é apropriado. Só que o Supremo não dá motivos para acusações de partidarismo. Mesmo lidando com questões políticas, age com independência, ao contrário do que se ouve falar de outras cortes. Eu diria mais: quando decisões da Corte chamam a atenção da opinião pública é porque as matérias tratadas representam divisões dentro da sociedade brasileira. Falo de temas como aborto, células-tronco, fetos anencéfalos, direitos dos homoafetivos.

O reconhecimento desses direitos foi dado pelo Supremo, mas setores contrários continuam a se manifestar...

E como é que uma decisão sobre um tema que divide a sociedade pode não gerar polêmica? Vai gerar, não vai agradar a todo mundo. O fundamental é que a Corte trouxe uma decisão que traz segurança jurídica à sociedade. E uma decisão que também vai ajudar no combate a comportamentos violentos, antissociais, homofóbicos.

Ao decidir por unanimidade essa questão, o Supremo deve ter incomodado setores mais conservadores, mas também agradou aos liberais. Esse julgamento vai ter impacto em outras decisões da Corte sobre temas igualmente polêmicos, como a interrupção da gravidez em casos de anencéfalos?

Uma decisão não muda o Supremo, pois ele decide apegado às suas convicções e normas. Mas uma decisão causa impacto social, porque a sociedade entende que o Supremo não teme tomar decisões compatíveis com a Constituição, a despeito da oposição de certos setores.

Nem pressões vindas do campo religioso podem abalar o julgador?

Não. Ao julgar, o Supremo reforça o caráter laico do ordenamento jurídico. E a independência da Corte vai ao ponto de enfrentar as resistências religiosas em nome da laicidade do Estado.

Foi o que aconteceu na decisão sobre liberar as células-tronco embrionárias para a pesquisa científica, não?

Considero esse julgamento importantíssimo, embora confesse que ali cometemos o mais grave erro de comunicação desde o tempo em que assumi a presidência do STF. O resultado da decisão foi 9 a 1. Só tivemos o voto contrário do ministro Carlos Alberto Direito, falecido em 2009. Mas foi parar na imprensa a versão de que houve três votos independentes da maioria, inclusive o meu. O que fiz no meu voto? Eu disse, e o Ministério da Saúde adotou como orientação, que era preciso estabelecer certos limites éticos para a realização das pesquisas, mas jamais disse que era contra as pesquisas!

Ao decidirem contra a revisão da Lei de Anistia, os membros da Corte atingiram resultado de 7 a 2. Já no caso da Ficha Limpa, o placar foi apertado: 5 a 4. E há decisões unânimes. É possível mapear os momentos em que a Corte vota unida e em que se divide?

Não há isso, diferentemente do caso americano. Há na Suprema Corte dos EUA duas alas definidas: a mais conservadora e outra mais liberal, o que corresponde ao desenho político da vida partidária americana. E também há sempre um juiz que flutua entre um lado e outro. O STF reflete uma largueza de visões que não se prende ao nosso sistema político partidário. Você pode até dizer que há um juiz mais rigoroso em matéria criminal e mais flexível em matéria civil, ou vice-versa, mas para por aí. Eu não chegaria a dizer que o comportamento da Corte é imprevisível. Mas também não é rotulado.

O senhor sente uma ponta de inveja quando vê que seus colegas americanos julgam em torno de cem casos por ano, apenas?

Pois é, a Suprema Corte nos EUA tem poder para examinar um caso e não abrigá-lo para julgamento, inclusive justificando que decisões de outros tribunais sobre o mesmo tema são boas e suficientes para a matéria. O instrumento da "repercussão geral" já permite ao STF fazer isso no Brasil. Equivale a dizer "muito bem, a matéria é constitucional, mas não tem relevância para a sociedade, portanto não vamos tratar disso". Mas ainda não usamos devidamente esse instrumento. Nossa tendência é acolher mais do que seria devido. Como se vê, o Supremo também tem um longo aprendizado pela frente.



Mestiçagens da língua

É falso que a ‘classe dominante’ use a norma culta, como é falso o contrário em relação aos ‘dominados’

21 de maio de 2011
JOSÉ DE SOUZA MARTINS
O Estado de São Paulo
Quando em 1727 o rei de Portugal proibiu que no Brasil se falasse a língua brasileira, a chamada língua geral, o nheengatu, é que começou a disseminação forçada do português como língua do País, uma língua estrangeira. O português formal só lentamente foi se impondo ao falar e escrever dos brasileiros, como língua de domínio colonial, tendo sido até então apenas língua de repartição pública. A discrepância entre a língua escrita e a língua falada é entre nós consequência histórica dessa imposição, veto aos perigos políticos de uma língua potencialmente nacional, imenso risco para a dominação portuguesa.

Agregue-se a isso, a proibição, com o advento da Revolução de Outubro de 1930, das línguas e dialetos originais falados por milhões de descendentes de imigrantes estrangeiros, especialmente italianos e alemães, vindos para o Brasil, com passagem paga pelo governo daqui, para suprir a carência de mão de obra decorrente da proibição do tráfico negreiro e da abolição da escravatura. Proibição que teve em vista forçar a disseminação, também no cotidiano, de uma língua nacional. Ficou nas exigências linguísticas do ensino formal essa herança de um período de autoritarismo político. Reconheça-se, entretanto, que nosso bilinguismo cimentou nossa unidade nacional, a despeito dos sotaques de múltiplas e suaves resistências a imposições oriundas de várias épocas.

Da repressão linguística ficaram sotaques na fala em português, e mesmo erros de escrita, e até curiosos detalhes: entre descendentes de alemães no Sul é fácil perceber o desencontro entre a respiração e a fala. Os falantes ainda respiram em função dos requisitos respiratórios da língua alemã quando falam em português, o que impõe à fala uma notória dificuldade rítmica. A mesma coisa constatou um linguista e musicólogo austríaco, Gehard Kubik, um dos estudiosos da língua dos negros da comunidade do Cafundó, na região de Sorocaba. Identificando-os como bantos, Kubik comparou seus ritmos respiratórios e gestuais aos dessas populações na África, regulados pelo pilar dos cereais, as mulheres com as crianças atadas às costas, respirando no mesmo ritmo das mães mesmo antes de aprenderem a falar. Dos últimos trazidos ao Brasil, no fim do tráfico, em 1850, os negros do Cafundó conservam essa espécie de DNA da língua.

Uma decorrência da proibição do nheengatu, que aliás, ainda se fala em várias regiões do Brasil, é que quase todos nós escrevemos o português da norma culta, mas falamos português, cotidianamente, com sotaque nheengatu. É o que se nota no deleite em pronunciar as vogais, em oposição ao português de muitas regiões de Portugal, de verdadeira aversão às vogais. Lá se fala “flor”, aqui se fala “fulô”; lá “orelha”, aqui muitos ainda dizem “oreia”. Aqui evitamos os infinitivos com os nossos “está”, “falá”, “cantá” ou com reduções como “tá”, “tô”, “né”. Sem contar o caso emblemático do “você”, incorporado à fala gramaticalmente correta, mas que é deturpação nheengatu do “Vossa Mercê”, da sociedade colonial e estamental, os cativos e os ínfimos, ainda que livres, pondo-se de pé e tirando o chapéu para dirigir-se às pessoas socialmente superiores. Tratamento que teve duplo percurso: na cidade virou “você”, na roça e nas regiões caipiras virou “mecê”. Nas cidades o “você” tornou-se pronome substituto do “tu”, da segunda pessoa do singular. Na roça, o “mecê” ainda é tratamento de terceira pessoa, resquício de hierarquias sociais antigas, ficando para a segunda pessoa a variante “ocê” ou o “vancê”.

No livro questionado, porém, o reconhecimento da legitimidade da fala popular se baseia numa premissa completamente falsa: “A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros”. É falso que a “classe dominante” use a norma culta. Frequentemente, empresários urbanos e rurais tropeçam nas normas da língua. Basta acompanhar falas e debates da Câmara e do Senado para testemunhar o reiterado atropelo de nossa língua nacional pela elite do poder. Sem contar que durante oito anos um presidente da República valeu-se de suas próprias regras linguísticas para falar à nação e ao mundo.

É falso, também, o contrário, em relação aos “dominados”. Pesquisador em áreas sertanejas do país, durante muito tempo ouvi suas maravilhosas alocuções, sobretudo de analfabetos, no Maranhão, no interior de Minas e de São Paulo, no sertão do Nordeste, de Goiás, do Mato Grosso, do Pará, falando um português impecável, belo, rebuscado, barroco, a mesma língua dos sermões do padre Vieira. Ainda me lembro da resposta de um morador de povoado do sertão maranhense, um negro velho, de postura e viso patriarcais, a barba longa, mas rala, quando lhe perguntei se tinha chegado ali com toda sua família: “Não, meu senhor. Eu vim pr’aqui com toda minha linhagem”.

JOSÉ DE SOUZA MARTINS, PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, É AUTOR DE A SOCIABILIDADE DO HOMEM SIMPLES (CONTEXTO)





''Polacas'' do Rio ganham nome em cemitério

Criado em 1916 por prostitutas polonesas, local polêmico passou anos esquecido
18 de maio de 2011 Felipe Werneck / RIO - O Estado de S.Paulo
                                                                               Fabio Motta/AE

Inhaúma. 95% dos túmulos já estão identificados no local, que foi tombado pela prefeitura carioca em outubro do ano passado

A porta está trancada, o repórter toca a campainha e é recebido pela funcionária que cuida da limpeza do Cemitério Israelita de Inhaúma, na zona norte do Rio. "É muito difícil vir alguém aqui", ela comenta. "Não é igual a um cemitério comum. Ninguém visita as polacas." Fundado em 1916 por imigrantes polonesas marginalizadas por serem prostitutas, o local abriga cerca de 800 túmulos. Após décadas de deterioração e esquecimento, as sepulturas começaram a ser reformadas no ano passado. Segundo o presidente do Cemitério Comunal Israelita do Caju, Jayme Salomão, que também administra o de Inhaúma, 95% dos túmulos já estão identificados. Além da pintura, eles receberam placa branca de mármore com estrela de Davi no centro, o nome de quem está ali sepultado, a data do óbito e o número que representa na cronologia do cemitério.

Não houve divulgação. A iniciativa ocorre 15 anos após a polêmica suscitada pela publicação do livro Baile de máscaras: mulheres judias e prostituição. As polacas e suas associações de ajuda mútua (Editora Imago), fruto de dissertação de mestrado da historiadora Beatriz Kushnir, atual diretora do Arquivo Geral da Cidade.

Segundo ela, em 27 de outubro o prefeito Eduardo Paes assinou decreto determinando tombamento definitivo do cemitério. Segundo o documento, "quaisquer intervenções físicas deverão ser previamente aprovadas pelo Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural". Nas justificativas do decreto, o local é considerado "marco particular no âmbito dos campos santos da cidade por ter sido criado por mulheres que, em um ambiente hostil, se uniram para garantir sua sobrevivência". Um dos objetivos da decisão foi justamente "garantir a essas mulheres uma memória que não as condene eternamente".

Salomão atribui a demora ao "trabalho minucioso" para levantar os nomes e diz que foram gastos R$ 300 mil na reforma. Agora, ele pretende investir "mais R$ 1 milhão" em um polêmico "projeto de revitalização". Para isso, vai pedir à prefeitura a reativação do cemitério. O objetivo é que a eventual venda de novos túmulos gere receita para bancar a manutenção. Cerca de metade do terreno está livre, avalia.

Salomão insiste na ideia - criticada por Beatriz - de separar os túmulos das polacas por "cerca viva". "É para preservar a história do passado sem chocar. Se juntar tudo, quem for ao cemitério não vai entender nada." Segundo ele, a cerca receberia plantas de 30 a 50 centímetros. Seria uma forma de atender à ala judaica mais ortodoxa, que defende enterro de prostitutas e suicidas junto ao muro de cemitérios. Salomão nega. Segundo ele, a ideia é "criar um museu vivo". "Hoje, aquilo fica fechado o ano inteiro. Queremos que os túmulos sejam visitados. É um lugar sagrado. O objetivo é preservar."

Sítio histórico. Para Beatriz, trata-se de tentativa de "expurgo" da memória dessas mulheres. "Eles podem fazer tudo o que for necessário apenas para manter como sítio histórico. Não podem fazer mais nada para enterrar outras pessoas." Localizado na Rua Piragibe, 99, o cemitério fica colado na Favela do Rato Molhado. "Tem milícia ali. Tirando eu, duvido que outro judeu queira ser enterrado lá", diz Beatriz.

Vice-presidente da Federação Israelita do Estado até novembro e presidente da sinagoga Beyruthense, Salomão reconhece que há preconceito entre representantes da comunidade judaica, mas afirma que não há respaldo institucional para isso. "Pode ser que algumas pessoas, sim, mas eu acredito que não exista preconceito. Se existisse, não falaríamos em reativação do cemitério. A ideia da revitalização é dar continuidade."

A historiadora defende arborização e preservação do local como está. Para ela, a reforma foi uma vitória. "Mas fico com pena de não ter sido como em São Paulo (veja ao lado), onde a comunidade judaica foi muito participativa, não se fez nada às escondidas, houve inauguração das lápides. Aqui tem muito mais caráter de imposição por circunstâncias do que vontade própria."

O livro de Beatriz contabiliza 797 sepulturas. Na ocasião - a dissertação foi defendida em 1994 e o livro, lançado dois anos depois -, ela localizou duas descendentes de polacas. "Muitos não sabem ou preferem não se meter nisso", conta. Segundo a Federação, foram localizadas 807 durante a reforma. Criado a partir de um modelo associativo, o cemitério de Inhaúma abriga corpos de mulheres, homens e crianças. "Não é porque foram prostitutas que elas não eram casadas. E não necessariamente o marido era cafetão; elas também eram cafetinas (donas de prostíbulos)", explica Beatriz.



domingo, 24 de abril de 2011

Entrevista com Nelson Rodrigues

Entrevista com Nelson Rodrigues
Nelson Rodrigues
Dramaturgo e cronista esportivo
Entrevista realizada por Geneton Moraes Neto
Título: “Ao cretino fundamental, nem água”
Fonte: Site Genetom
GMN : Quando foi que Nélson Rodrigues descobriu que nascera para escrever ?
Nélson : “A coisa é a seguinte : escrever para mim,muito mais do que uma decisão profissional,é um destino.Escrever é o meu destino ! Não é um caso de opção.Eu só tinha esta opção,uma vez que nasci assim”.
GMN : O senhor se considera um escritor por vocação ?
Nelson : “Digo que,no meu caso,eu nem precisava de vocação,porque o negócio era o óbvio – o óbvio ululante ! Eu tinha de ser aquilo. Se você chagasse junto de mim e pedisse para eu ter outra profissão,podia até dar dinheiro para que eu tivesse outro destino,não seria absolutamente possível”.
GMN : O início foi com ficção ou com jornalismo ?
Nélson : “Eu estava no quarto ano primário na Escola Prudente de Morais.Uma dia,a professora – que mandava a gente desenhar e colorir uma vaca de estampa,para que nós,alunos,fizéssemos em torno da vaca toda uma história – disse : “Olhem aqui : Hoje,vocês vão ter de escrever da próprio cabeça.Agora não é mais sobre a vaca pintada”. E então deixou que cada um de nós fizesse o seu drama,o seu projeto dramático.
Duas histórias tiveram o primeiro lugar.A do meu adversário era um a história de um daqueles magnatas que davam passeios.Ele descrevia o passeio de um rajá no seu elefante favorito.E pronto.A minha foi inteiramente diferente.Eu fiz a história de uma moça que era uma fera.Quase uma dama do lotação.Um dia,o marido chega em casa mais cedo e,quando empurra assim (imita o gesto de alguém forçando o trinco de uma porta) . Entra em casa,segura o amigo traidor e enfia nele uma faca. Eu tive o primeiro lugar e empatamos.O prêmio ao rajá e ao respectivo elefante era uma concessão ao convencional.
Isto foi a primeira vez em que eu era ficcionista.Todo o meu futuro está aí. Era a história de uma pobre adúltera que morreu de maneira tão melancólica.O traidor morreu também de maneira melancólica : direi,a bem da verdade,que a minha história causou um horror deliciado.Eu era,para todos os efeitos,um pequeno monstro.
comecei com treze anos a trabalhar como jornalista profissional e repórter : esse é o caso. Não teria jeito: eu teria de meter uma bala na cabeça…”.
GMN : Para o senhor – que é considerado um mestre nesse ofício – o que é necessário para retratar, num texto teatral, o mundo desses personagens suburbanos das nossas cidades?
Nélson : “Em primeiro lugar, o sujeito tem de ser ficcionista. Precisa ser inteiramente sensível ao primeiro chamamento da profissão. Não basta apenas o gosto. Não é apenas uma facilidade, mas um destino” (pronuncia em tom dramático esta palavra)
GMN : A inspiração é uma entidade que existe para o senhor?
Nélson : “O negócio da inspiração é o seguinte : eu considero a inspiração,ao contrário de Valèrie, que só via a máquina individual do ficcionista. Aquilo é uma coisa que o ficcionista apura com o tempo, desenvolve com a experiência”.
GMN :Dentre as peças que escreveu, qual a que o senhor considera como definitiva, como a obra acabada do dramaturgo Nélson Rodrigues?
Nélson : “O mais importante para mim,até o momento,é o dramaturgo. Volta e meia, me sinto muito perplexo diante de certas manifestações que me induzem ao teatro, embora o teatro tenha um defeito : tenho de vez em quando vontade de fazer certas experiências não teatrais dentro da área de literatura, mas sem ter nada de dramático”.
GMN : Dentre as peças já escritas,qual é a predileta?
Nélson : “ Tenho várias prediletas. Eu diria mesmo que são todas as prediletas.Não tenho prediletas(ri). Todas são favoritas. Já pensei muito em querer discriminar qual a minha melhor peça, mas não sei”.
GMN : Que autores brasileiros de hoje o senhor considera como verdadeiros artistas do teatro?
Nélson : “Vou pular esta,porque tenho autores que são inimigos meus. Pior do que o inimigo é o amigo. Um autor que é um amigo tem todos os defeitos…”
GMN :O senhor diz sempre que “a admiração corrompe”. É o caso ?
Nélson :“É isso, é o caso. A admiração corrompe. O amigo que é o nosso maior torcedor não é o maior coisa nenhuma, porque, ele próprio, não consegue se prender. Então,começa a fazer insinuações e etc…Como eu sinto, evidentemente, o nosso amigo, o inimigo, com a maior facilidade, então eu prefiro o inimigo” (ri).
GMN : Se o senhor fosse levado a fazer uma hipotética opção entre o teatro e o jornalismo, qual dos dois preferiria?
Nélson : “O teatro ! E não é um problema de qualidade intelectual não”.
GMN : O jornalismo brasileiro continua padecendo de objetividade? – que o senhor considera uma “doença grave”?
Nélson :“O idiota da objetividade é o jornalista que tem grande fama, todo mundo, quando fala dele, muda de flexão. Mas eu acho o idiota da objetividade um fracasso. Isso num julgamento absoluto. O idiota da objetividade é também um cretino fundamental”.
GMN : Quais foram as causas da ocorrência desse culto à objetividade que, no conceito do senhor, corresponde à falta de emoção?
Nélson : “Pois é, é esse o negócio (ri de novo). É a falta de complexidade do sujeito que diz só a coisa certa ou aparentemente certa e não vê que todo fato tem uma aura. A verdade é que o fato só, em si mesmo, é uma boa droga. Olhe aí (e mostra a crônica “A Desumanização da Manchete”):
O “Diário Carioca” não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: o fato e a sua cobertura. Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção da população. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy. Na velha imprensa, as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy-desk, sumiu a emoção de títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do “Jornal do Brasil”. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver, ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto na manchete. Havia um abismo entre o “Jornal do Brasil” e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete”.
GMN : A ausência de um ponto de exclamação numa manchete faz falta ao leitor comum?
Nélson : “Faz. Eu digo o seguinte: na minha infância,havia primeiro o “Correio da Manhã”, um jornalaço. E havia “A Noite” – que vendia muito mais. E era um jornal muito mais amado pelo leitor. “A Noite” era um jornal amado (acentua a voz, ergue os braços). O sujeito comprava “A Noite” disposto a ler ou disposto a não ler. Não fazia mal isto. Ler ou não ler era um detalhe insignificante. Mas o povo gostava desse jornal. E esse antigo jornalismo permitia, por exemplo, que você fosse fazer a cobertura de um incêndio e levasse na mão uma casa de pássaro, uma gaiola e metesse a gaiola com um pássaro lá num certo ponto da casa em chamas. E aí o repórter que não era idiota da objetividade dizia que o nosso querido fotógrafo ouviu toda a cantoria do canário. E terminava dizendo: “Morreu cantando” (a essa altura, Nélson Rodrigues concede uma entonação teatral a esta frase). O repórter fora cobrir um incêndio. Mas o fogo não matara ninguém. E a mediocridade do sinistro irritara o repórter. Tratou de inventar um passarinho: enquanto o pardieiro era lambido, o pássaro cantava, cantava. Só parou de cantar para morrer.
A história desse canário fez um sucesso tremendo. Um sujeito queria uma vala especial para o canário, o nosso querido canário cantor. Era lindo. O jornalismo de antigamente era mais ou menos assim. Hoje, a reportagem de polícia está mais árida do que uma paisagem lunar. Lemos jornais dominados pelos idiotas da objetividade. A geração criadora de passarinhos parou em Castelar de Carvalho, o autor dessa reportagem sobre o incêndio. Eis o drama: o passarinho foi substituído pela veracidade que, como se sabe, canta muito menos. Daí porque a maioria foge para a televisão. A novela dá de comer à nossa fome de mentira”.
GMN : Que fatos ou situações brasileiras o senhor contemplaria com um ponto de exclamação numa manchete de jornal?
Nélson : (pensativo, com olhar distante) – “Deixe-me ver… O negócio é o seguinte: houve num desastre uma coisa atroz que foi uma explosão. Morreram seiscentos sujeitos, segundo as manchetes da ocasião. Todo mundo fazia coro… E outro caso de repórter que não era idiota da objetividade: o sujeito foi fazer a cobertura de um desastre de trem. Geralmente, em desastre de trem, morria gente pra burro. Agora, morre muito menos, não sei porque.
Mas qual é o fato ? Deixe-me ver…Ah, o suicídio de Getúlio Vargas foi de uma brutalidade incrível. Uma coisa bonita é que foi uma coisa misteriosa, aí é que não entrou objetividade nenhuma. Morreu, então o cara passa a ser um deus. O que é que você pode fazer contra o cara? Deu um tiro no peito, ia ser deposto. E só porque ia ser deposto ele se mata.
Veja só: no princípio da minha infância havia o pacto de morte. Havia sujeitos que se amavam tanto que já não suportavam mais o próprio amor. Então, o que fazia ele? Propunha à pequena o suicídio, um pacto suicida. Rara era a pequena que duvidava. O lindo era a vontade, o encanto com que esse par de amorosos se matava e cumpria o seu destino. Esse é que é o caso”.GMN : Quer dizer então que na história recente do Brasil o suicídio de Getúlio Vargas seria o último grande fato que mereceria um ponto de exclamação do senhor numa manchete de jornal?
Nélson – “Olhe: quando eu digo merecer a manchete de jornal… (interrompe, olha para a televisão, comenta a iminência de um gol da seleção brasileira, distrai-se, retoma a conversa de um ponto anterior). Você compreendeu como é o caso? Antes de certo tempo aí, achavam que era uma coisa gravíssima o sujeito se matar, era uma covardia. E nem ele nem a menina acreditavam que isso fosse um defeito, o defeito de se matar: alguém ter o direito de destruir o próprio amor e o amor do outro. Mas os dois se destruíram. O sujeito achava que era uma maneira de coroar o próprio amor.Agora, a nossa realidade está realmente muito pobre, muito vazia, sem um certo apelo dramático. Ninguém hoje quer morrer, ninguém quer se suicidar ! . Ali o sujeito só queria destruir o amor. E aí a sogra ia cuspir na morte do sujeito que lhe matara a filha”.
GMN : O senhor lê a chamada imprensa alternativa?
Nélson – “Alternativa o quê?”
GMN : A imprensa alternativa, esses novos jornais que têm surgido, o senhor lê ?
Nélson : “Eu leio de vez em quando mas não faço questão, porque jornal é uma coisa inquietante. O jornal não é o jornal do dia, é o jornal da véspera. Há anos não leio um jornal que não seja rigorosamente o jornal da véspera. Só sai o jornal da véspera e nunca o jornal do próprio dia. São fatos da véspera , figuras da véspera. O fato do dia não existe e ou só existe para rádio e as TVs. No passado, a notícia e o fato eram simultâneos. O atropelado acabava de estrebuchar na página do jornal. E assim o marido que matava a mulher e a mulher que matava o marido. Tudo tinha a tensão, a magia, o dramatismo da própria vida. Mas, como hoje só há jornal da véspera, cria-se uma distância entre nós e a notícia, entre nós e o fato, entre nós e a calamidade pública ou privada. Servem-nos a informação envelhecida. Nós, jornalistas, é que estamos mais obsoletos, mais fora de moda do que charleston, do que o tango”.
GMN :Não há nenhum fato do dia…Nélson – “Pelo menos a gente tem essa impressão. O que nós chamávamos antigamente de furo não existe mais. Todos hoje acham que podem viver sem o furo, ao passo que, no meu tempo, quando eu era garoto, um furo de reportagem era tudo. Era o grande momento da carreira.
Agora, para falar de manchete, outro fato formidável foi o seguinte: antigamente, o Largo do São Francisco era o local próprio para o sujeito se manifestar. E quando havia muitos interessados em se manifestar, havia o diabo, o diabo! Um dia, fizeram uma coisa qualquer com o chefe de polícia. E o chefe de polícia – que era um santo – assinou uma portaria proibindo os estudantes não sei de quê nem ninguém sabe. Tudo que houve foi por conta da falta de bossa, da falta de inteligência dos nossos queridos estudantes.
E então os estudantes resolveram fazer um “enterro” do chefe de polícia – que era um velho general, sujeito que acreditava em honra, num tempo em que ninguém sabia o que era honra. O general era um santo homem e então achou que aquilo era brincadeira de estudante. E lá foi ele dizendo aos queridos investigadores que não queria machucar ninguém. Nada de bala, nada de punhal, dizia o nosso general. E no dia do “enterro”, os estudantes carregavam o caixão, todos levando uma vela acesa. Era uma coisa só, com mil vozes cantando a marcha fúnebre, dando vivas à morte. Dois ou três homens de polícia, furiosos com a questão, simplesmente acharam de matar três estudantes. Aí foi aquela coisa tremenda. Houve então uma manchete, a manchete mortal da imprensa brasileira. Um jornal descobriu uma manchete fantástica (muda a flexão de voz, entusiasmado). A manchete quase derruba a presidência da República, a vice-presidência, o chefe de polícia imediatamente se demitiu, foi embora, não quis mais nada, achando-se culpado. Inventaram uma manchete que até hoje eu gosto de ouvir…”
GMN : Qual foi?
Nélson : “Era assim: “Primavera de Sangue” (pronuncia cada uma das sílabas devagar, como se saboreasse as palavras). A manchete quase derruba o presidente da República, o ministro da Guerra, um negócio terrível. E tudo isso pela beleza que se atribui à manchete. Quero dizer que, se você quiser, com uma frase bem trabalhada, você resolve o caso.”
GMN :De quando foi essa manchete?
Nélson : “Eu era garoto, tenho agora sessenta e cinco anos. E foi na altura dos meus dez anos. Agora, eu sei disso tudo pelas informações do pessoal. O cara que fez esta manchete ganhou uma fortuna, quinhentos mil réis. Só o Rockfeller tinha esse dinheiro na ocasião (ri)”.
GMN :O senhor se interessa por política partidária?
Nélson : “Eu não sou ninguém para dizer certas coisas, mas o bom no brasileiro é que ele, sem saber de nada, diz coisas horrendas”.
GMN : Quais são os políticos brasileiros que o fascinaram ou fascinam hoje? Existe algum nome que o senhor queira citar?
Nélson (Pausa de alguns minutos, ele está pensando) : “Num desses momentos, quem é o sujeito? Já começo a ficar amargurado, porque para achar um sujeito, poder dizer um político interessante… Eu acho que só Napoleão Bonaparte ! (ri)”.
GMN : O senhor já disse que um dos traços do caráter nacional é o fato de que o brasileiro adere a qualquer passeata. Quais seriam os principais traços do nosso caráter nacional?
Nélson : “O brasileiro é um tipo gozadíssimo. O diabo é que o brasileiro não pode se esforçar muito porque, senão, cai na chanchada trágica. O brasileiro é um sujeito que gosta de fazer farra, é um desses que, em pleno velório, põe a mão na viúva. E a viúva é também um caso sério porque este negócio de viúva vocacional é um fato. Há realmente um repertório sensacional de casos. O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro. Houve um tempo em que nem o Departamento de Pesquisa do “Jornal do Brasil” sabia quem era o brasileiro.Mas se um sujeito se apresentava como brasileiro, as pessoas de bem respondiam: “Não te conheço!”.
E muitos duvidavam que o Pão de Açúcar ou o poente do Leblon fossem brasileiros.
Olhe: houve tempo em que a mulher mais séria do mundo, mais digna, mais respeitável se deixava envolver por um poeta, se abandonava por um soneto. Era outra vida. De repente eu fico olhando: era outra vida, outro homem. E havia a figura do bêbado. Hoje, o bêbado é um sujeito que a psicanálise cura depois de quinze anos de tratamento, quando, aliás, a cura já não adianta mais nada. Eu tinha um tio que se enamorou da minha tia Yayá. E se você perguntar “Qual foi o maior homem que você viu no mundo?”, eu acho que esse tio está no segundo ou terceiro lugar, porque o desgraçado, ele amava a minha tia Yayá. Ele já não precisava mais beber para estar bêbado, de alto a baixo. E, com isso, fazia uma considerável economia de dinheiro…
Em minha família houve um bêbado indubitável, foi este meu tio Chico. Como sujeito que bebe muito, ele durou pra burro. Morreu com oitenta e tantos anos, sempre bêbado, rigorosamente. Vem desse tio antigo o meu horror ao bêbado. Mas ele me ensinou também uma série de coisas lindas. Por exemplo: o amor. Meu tio Chico me ensinou a amar. Embriagou-se em cada minuto da lua-de-mel. Bebeu antes, durante e depois. Yayá costurava para o casal não morrer de fome. Mas eu, menino, queria amar e ser amado como esse alcoólatra enlouquecido. Era um amor que hoje não existiria. A minha tia Yayá deu graças a Deus que ele tivesse se apagado. Agora ninguém ama mais, eis o que comecei a descobrir desde os treze anos de batalha. Você ponha aí: o meu tio Chico e sua bem amada Yayá. Era um negócio impressionante.”
GMN : Por que é que o senhor diz, desse jeito, que hoje ninguém ama mais ?
Nélson : “Meu bem, se a evidência objetiva e espetacular vale alguma coisa, o homem não ama mais. E não ama mais porque o nosso cenário se povoa de sujeitos que são débeis mentais absolutos. O sujeito já não acredita em amor, pra começo de conversa. Não acredita em amor. O sujeito acha que todo mundo é a mesma coisa, e apesar disto, se diz marxista. É uma coisa esterilizante que há na vida brasileira, sobretudo carioca. O carioca é esse sujeito fascinante só na base dos defeitos que tem. Arranja logo casamento e é uma besta. E todo mundo diz: “Oh, que coisa, que amor!”.
E eu me lembro de uma menina grã-fina mesmo…
Aliás, diga-se de passagem que eu não acredito na existência da grã-fina nem do grã-fino. Dou-lhes este nome. Mas é incrível esse negócio da mulher moderna (fala com a voz arrastada, como se entoasse um lamento). Nunca ela foi tão infeliz e tão pouco feminina. Eu tive um cachorro, o nosso querido Boogie-Woogie, que ficava diante da minha casa amando sua querida cachorra. Ela ficava lá, digníssima, empinada, recebendo as homenagens. Os carros passavam e achavam o cachorro louco. E esse nosso amigo, o cachorro, era muito mais humano que a mulher dos nossos tempos. Elas se meteram a bestas”.
GMN : O brasileiro continua sendo um “Narciso às avessas que cospe na própria imagem”, como o senhor dizia?
Nélson – “Continua, continua !”.
GMN : Qual é o remédio para isso?
Nélson : “O remédio para isso? Nunca. Para isso não há remédio. Veja que o Brasil ganhou três vezes o campeonato mundial. Se ganhou três vezes, e se o brasileiro não fosse o otário que é, estava tudo salvo, tudo salvo. Ganhou três vezes no futebol, feito como esse ninguém teve e não se conhece isso.
O brasileiro tem virtudes. É bom fazer uma ressalva nesses defeitos que digo. Isso o torna extremamente simpático. Aquela volubilidade… O sujeito ora ama aqui, ora ama ali… Vai lá pra chegada do trem elétrico, vai arranjando os seus amores que, aliás, duram geralmente vinte e um dias, quando duram. Há pessoas que casam e lá na sacristia estão os convidados fazendo apostas sobre a duração daquele casamento. E você pode ficar sossegado porque aquele casamento está inteiramente liquidado antes do começo. Há amores, entendeu, que o sujeito traz consigo e realmente são sinceros. Mas evidentemente, não existe este amor, porque o nosso querido Brasil…
Olhe: em 1958, quando o nosso querido Brasil voltou campeão da Copa, foi o maior futebol que jamais se viu…”
Diga-se de passagem que eu considero o brasileiro o maior sujeito do mundo. O europeu já está esgotado. O europeu tem na casa dele pires de mil anos. Escadas de mil anos. Tudo é velho pra burro. Já com o brasileiro é inteiramente diferente. É como se ele estivesse sempre há quinze minutos do fato. Um negócio genial.
(Nélson tinha mudado de assunto;volta ao futebol)Basta o sujeito passar quinze minutos assistindo a um jogo importante desses camaradas. Esses rapazes são uns gênios. Mas o sujeito pensa que isso não é importante e sai, nem liga. Mas quando o negócio vai se transmitir em forma de gorjeta, aí então o brasileiro é um feroz…”
GMN : O senhor diz também que a paisagem dos países desenvolvidos é triste sem imaginação…
Nélson : “É. Como se não bastasse a padronização de caras, corpos, costumes, usos, idéias, valores, há também a estandardização da paisagem. Tudo prodigiosamente igual. É trágica a falta de imaginação da paisagem no país desenvolvido. O desenvolvimento é burro, ao passo que o subdesenvolvimento pode tentar um livre, desesperado, exclusivo projeto de vida.
O diabo é que o Burle Marx, no Brasil, faz o que nem o europeu faria lá. O nosso Burle Marx retira a flor da paisagem. Dizem que o Amazonas é a coisa mais gigantesca do mundo. O nosso Burle Marx só usa uma cor, a verde, e danem-se as outras cores. Fiz esta anotação e ele me disse numa entrevista dele que o teatrólogo Nélson Rodrigues, com certeza, não estava olhando para a paisagem, não viu outra cor, se não a verde. Fui espiar lá e, realmente, o único paisagista do Aterro do Flamengo é o Exército, porque acrescentou, ao Monumento dos Pracinhas, algumas flores, umas dezessete flores. O paisagista foi o ministro da Guerra. O nosso querido Burle Marx, a quem muito admiro, não pôs flores no Aterro, e com a maior tranqüilidade do mundo. Não precisa prestar atenção… O negócio das cores… (Nesta altura da conversa, ele ri e confessa: “Eu estou tendo lapsos lamentáveis…”).
Você sabe o que é o sujeito fazer uma bobagem e negar a verdade? Se ele aceitar o erro, está bem. Agora, quando o sujeito fica impune… A impunidade faz de um São Francisco de Assis um canalha. Ele comete um ato e ninguém o prende, ninguém o ameaça, sequer.
É este o caso de Burle Marx. Como ele está faturando cada vez mais, não liga por ter feito um jardim onde só existe uma cor e onde não tem uma violeta. Ele está cada vez faturando mais, e mais fiel aos seus erros, porque descobriu que o erro está muito mais perto do êxito. Já falei pra burro, agora você está satisfeito, não é? E vai querer continuar…”
GMN : Agora, uma explicação para as causas do rancor e da ironia feroz que o senhor cultiva diante de seus personagens, como por exemplo, “as verdadeiras grã-finas”…
Nélson : “O que eu acho é que a gente diz “grã-finas” sem achar que elas tenham obrigação de agir como grã-finas. E elas não agem como deviam ser. Maria Antonieta podia dizer: “Ah, eu sou grã-fina…”. Por isso, certa vez, o povo estava urrando de fome de fora do palácio e ela disse: “Se não tem pão, comam brioche”. Então, a Maria Antonieta é que poderia bradar: “E, portanto, eu posso dizer que sou grã-fina”. Ela derrubou um erro, derrubou um regime horrendo. A única grã-fina do mundo é a Maria Antonieta. De então para cá nunca mais vi uma grã-fina. E muito menos uma grã-fina paulista que é gorducha, porque tem dinheiro à beça para comer. E come. Mas não existe. A nossa querida grã-fina precisa de dinheiro. Como precisa de dinheiro, e está furiosa porque não tem, então assume diversas atitudes, como, por exemplo, dizer numa mesa: ”Na minha casa, só as criadas vêem televisão”. As grã-finas não existem. A única descoberta que eu fiz com as grã-finas foi esta: elas não existem.”
GMN : E as “estagiárias de calcanhar sujo”?
Nélson : “Já as estagiárias têm uma existência feroz…(ri, acentua o tom de voz). Sobre nossa querida estagiária, eu vou te dizer o seguinte: é incrível. Meninas que não serviriam para babá nem poderiam entrar num cinema para ver filme francês ou meu próprio filme, a “ A Dama do Lotação”, fazem atitudes que os bocós consideram geniais.O que assombra na estagiária não é a sua graça pessoal, mais discutível, menos discutível, segundo cada caso. O que me assombra são as suas perguntas e repito: são as perguntas que tornam a estagiária um ser tão misterioso e absurdo como certas imagens de aquário. Uma dessas meninas irreais de redação é bem capaz de atropelar um presidente, um rajá, um gangster ou um santo ou, simplesmente, uma dessas velhas internacionais que embarcam em todos os aeroportos. E perguntar: “Que me diz o senhor, ou a senhora, de Jesus Cristo do Nada Absoluto, do Todo Universal ou da pílula?”
Você veja: uma delas foi incumbida de entrevistar um milionário. Ligou para a casa do milionário, disse: “Eu queria falar com o Dr. Fulano”. Do outro lado, uma voz responde: “Dr. Fulano não está passando bem”. E a menina insiste: “Então, pergunta a ele se…”. Desligam e a estagiária disca novamente, não com o dedo, mas com o lápis: “Eu queria falar com o Dr. Fulano”. A pessoa diz, desatinada: “Minha senhora, o Dr. Fulano acaba de ter um enfarte. Enfarte, minha senhora, enfarte. A senhora quer que eu diga mais do que estou dizendo?”. E a estagiária: “Vai lá e pergunta a ele o que é que ele acha da pílula. Eu espero”.
A família do enfartado toda se descabelando… o que, aliás, é raro, porque, no nosso tempo, a família chora muito pouco. O inimigo da morte – que é o clínico – dá logo um furioso calmante.
A estagiária então liga novamente. Dá sinal de ocupado. Continuou, com uma obstinação fatalista. E sempre ocupado. Uma hora depois, atendem. Era uma mulher que ou estava gripada ou chorando. A estagiária diz: “Por obséquio, eu queria falar com o Dr. Fulano”. Responde a voz feminina: “O Dr. Fulano acaba de falecer”. E a estagiária: “A senhora diz a ele que é só uma perguntinha”… e etc.
Agora, há um dado que me parece essencial. As entrevistas das estagiárias têm uma virtude rara: nunca saem. Falo por experiência própria. Quase todos os dias, uma estagiária me caça pelo telefone. E eu falo sobre todos os temas e personalidades. Opinei sobre os Kennedy, João XXIII, o Kaiser, Gandhi. No dia seguinte, abro o jornal e vejo que não saiu uma linha. Mas uma coisa curiosa: não só as estagiárias. Profissionais da melhor qualidade estão seguindo a mesma linha. Posso dizer que a nossa imprensa criou o novo gênero de entrevistas que não serão publicadas nem a tiro”.
GMN : O que é que o Recife significa para o senhor hoje?
Nélson : “Eu gosto do Recife pra burro. Vim de lá aos cinco anos de idade. Fiquei lá até o ano de 1929. Você veja: me dá pena estar pensando no Recife e nunca ir lá. Tenho, em minha memória profunda, um apelo de pernambucano pelo Recife”.
GMN : O senhor não pensa em voltar?
Nélson : “De vez em quando eu faço evocações......(Um dos textos de “O Reacionário” traz lembranças da cidade ) Toda a minha infância tem gosto de pitanga e de caju. Pitanga brava e caju de praia. Ainda hoje, quando provo uma pitanga ou um caju contemporâneo, sou arrebatado por um desses movimentos proustianos, por um desses processos regressivos e fatais. E volto a 1913, ao mesmo Recife e ao mesmo Pernambuco. Alguém me levou à praia e não sei se mordi primeiro uma pitanga ou primeiro um caju. Só sei que a pitanga ardida ou o caju amargoso foi a minha primeira relação com o universo. Ali eu começava a existir”.
GMN : O senhor não volta ao Recife porque tem medo de avião?
Nélson : “Acho chato viajar de avião, não quero voar, a não ser caso de vida ou morte. Tenho horror às viagens. A partir do Méier, começo a ter saudades do Brasil”.
GMN : Qual foi a última vez que o senhor esteve no Recife?
Nélson : “Em 1929. Tenho um sadio horror de avião”.











terça-feira, 12 de abril de 2011

Comandante tupiniquim ficou tirando fotos

Na China, quando Dilma desceu do AeroLula, o piloto da aeronave protagonizou uma cena no minimo inusitada. Diante do cerimonial diplomático chinês, Dilma desceu as escadas e o comandante tupiniquim, ficou tirando fotos a partir da cabine

Habeas Corpus para Armando Salles de Oliveira e outros

Há 66 anos, no dia 11 de abril de 1945, o STF, por unanimidade de votos, concedeu a ordem de HC impetrada pelo professor dr. Waldemar Ferreira e outros advogados, em número avultado, em favor dos drs. Armando de Salles Oliveira, Otavio Mangabeira e Paulo Nogueira Filho, para que livres de culpa e pena pudessem retornar à pátria, condenados, que estavam, pelo Tribunal de Segurança Nacional a 2 anos de prisão, grau mínimo do art. 3º, n. 9, do decreto-lei 431, de 1938, em processo nulo por falta de citação pessoal, que poderia ter sido feita, não obstante expatriados em Nova York e Buenos Aires. A ordem foi concedida porque não estando os pacientes na situação de soltos ou foragidos, a citação não podia ser feita por edital afixado na porta do Tribunal, como de fato se fez. A propósito de um dos pacientes, Armando de Salles Oliveira, ex-governador de SP, o jornal O Estado de S. Paulo, que com ele tinha ligações familiares (era cunhado de Júlio de Mesquita Filho), registra hoje o falecimento de sua filha (Lucilla Salles Teixeira de Barros, aos 93 anos), ocorrido no último dia 9.

domingo, 10 de abril de 2011

Os pais já não sabem ser pais

9 de abril de 2011
JT Mariana Lenharo
As famílias estão pedindo ajuda para educar suas crianças e desistiram de cumprir a tarefa sozinhas, terceirizando-a para terapeutas, pedagogos, babás e outros profissionais. Já existe até um serviço especializado em socorrer pais desorientados, o coaching family, uma opção que conquistou a Europa anos atrás e agora chega a São Paulo por meio da pedagoga Tânia Queiroz.
Toda essa dificuldade doméstica, dizem os especialistas, surge porque os pais, atualmente, têm de lidar com questões que não afetavam gerações anteriores: novos formatos de família, a falta de tempo para conviver com os filhos e a culpa que sentem por causa dessa ausência, refletida na dificuldade de impor limites. Soma-se a isso o acesso quase ilimitado das crianças às informações, sem a necessidade de adultos, tirando deles o status de fontes da experiência e do saber.
A urgência dos pais por algum tipo de ajuda está evidente para a psicopedagoga Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “Os pais não estão sabendo ser pais. Têm medo de colocar limites e perder o amor dos filhos. Estão confundindo limite com repressão”, afirma.
Segundo ela, os filhos percebem essa insegurança e tornam-se tiranos, fazendo com que suas vontades sempre prevaleçam. “Fazer um treinamento específico é um processo facilitador, não imprescindível. Participar das atividades que a escola oferece e se aproximar do filho, passando mais tempo com ele, já ajuda.”
Tânia Queiroz, responsável pelo family coaching no País, propõe workshops temáticos para “fornecer recursos emocionais que os pais possam usar para melhorar o funcionamento da equipe-família”. Segundo ela, as famílias já perceberam que o mau comportamento dos filhos está relacionado à desatualização do método de educação que conheciam.
“Descobriram que precisavam de ajuda para orientá-los na educação dos filhos e harmonia familiar e que não podiam se limitar a pagar a mensalidade das escolas e presentear os filhos para compensar sua ausência”, diz.
Presidente da Sociedade Brasileira de Coaching, Villela da Matta critica o uso do termo ‘coaching’ para se referir à abordagem praticada por Tânia, já que um dos princípios dessa técnica é que o trabalho seja personalizado para as necessidades de cada indivíduo ou grupo. “Coaching é a palavra da moda e ela está sendo banalizada. Quando faço palestras e workshops para diversas famílias, faço um treinamento. Isso não é personalizado”, informa.
O método do family coaching já vem sendo aplicado nos EUA e na Europa desde a década passada e foi tema de um livro publicado no fim do ano passado pelas psicólogas portuguesas Ângela Coelho e Sandra Belo.
Independentemente do nome usado para designar a ajuda prestada aos pais, Silvio Barini, diretor do Colégio São Domingos, na zona oeste, confirma o sentimento de desorientação entre as famílias.
“Algumas têm o ímpeto muito assumido de terceirizar a educação de seus filhos e, ao serem solicitadas diante de algumas questões, dizem que vão enviar o terapeuta, o psicopedagogo ou a babá para o atendimento na escola”, constata.



quinta-feira, 31 de março de 2011

FATEC Piracicaba oferece curso de oratória

A FATEC Piracicaba estará promovendo o curso de Oratória, abrangendo informações sobre saúde vocal, uso de telefone e planejamento de reuniões administrativas, ministrado pelo prof. Nélson Bertolini, profissional de Comunicações Sociais há muito tempo. O objetivo do curso, além de orientar para a comunicação clara, expressiva e persuasiva, busca desinibir os participantes, com muitos exercícios práticos, gravados, para auto-avaliação. Destina-se principalmente a pessoas que se utilizam da voz como instrumento de trabalho ou persuasão, como vendedores, professores, políticos, pregadores, radialistas,contabilistas, advogados, executivos de todos os níveis. A duração do curso, sempre aos sábados, é de 35 h, das 13 h às 18 h. As aulas estão programadas para os dias: 7, 14, 28 de maio – 4, 11, 18 e 25 de junho. Os participantes receberão material didático para exercícios, apostila, certificado final e “coffee-breaks” durante as aulas. Informações pelo telefone 3413-1702. A FATEC Piracicaba fica na R. Diácono Jair de Oliveira, 651, no bairro Santa Rosa (saída 141 da Estrada Limeira Piracicaba – a 1, 5 Km do Shopping Piracicaba), na entrada do Parque Tecnológico Engenheiro Agrônomo “Emílio Bruno Germek”. O número de vagas é limitado, para melhor aproveitamento e orientação individual aos participantes.
(nb. MTb. 8.265 – mar/2011 – cel. 9706-8705)

terça-feira, 29 de março de 2011

30 anos do estúdio J.C. Violla

Rua Alves Guimarães, 445, Pinheiros, cidade de São Paulo. Mais de 21 mil alunos em 30 anos de aulas dadas no mesmo endereço. São números muito expressivos e exclusivos, que transformam o estúdio de J.C. Violla em um “case”. Não foram poucas as escolas que fizeram sucesso e depois fecharam, e o seu estúdio de uma sala só atravessou todas as turbulências dessas três décadas, mantendo-se lotado.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, J.C. Violla conversou sobre essa singularidade, dentre outras, do seu percurso profissional. “Tive e ainda teria possibilidade de ter uma escola grande, com muitas salas. Vários alunos me convidaram para esse projeto, outros queriam abrir uma casa noturna com o meu nome, uma confecção, um café, propuseram franquias do estúdio em outros Estados. Talvez não tenha visão de empresário. Durante alguns anos, me perguntava se não tinha jogado fora essas oportunidades, se tinha feito burrice. Mas o que eu sei é dar aula e dançar, dediquei a minha vida a isso, não sei fazer outra coisa. E dei cada aula prestando atenção em cada um desses mais de 21 mil alunos.”
Os próprios alunos se espantam com a memória do professor. “Dou aula há mais de 35 anos e sou muito bom fisionomista. Se não reconheço de imediato um ex-aluno, basta que tire o sapato e mostre o seu pé. Às vezes, estou na praia, vejo um pé passando, subo o olhar e encontro um rosto conhecido. O pé é muito importante no meu trabalho, talvez por influência de Dona Maria, minha professora que claudicava, ou pela minha facilidade, desde criança, para saltar bem alto. Sei que não é comum, mas conheço as pessoas pelo pé.”
Além de ter sido a primeira a lhe dizer que era bailarino, Maria Duschenes também foi responsável por sua iniciação na carreira de professor. Sua primeira aula foi no ginásio do Sesc Consolação, onde Dona Maria, a mestra que trouxe os estudos de Laban para São Paulo, dava um curso para 200 terapeutas. “Foi entre 1973/1974, e assustei quando ela simplesmente me colocou para dar aula para eles.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.30 de dezembro de 2010

Xuxa Maria da Graça Meneghel

‘Estou velhinha para saber o que quero’
23 de dezembro de 2010
Categoria: Celebridades, Entrevistas, TV
Aline Nunes Jornal da Tarde
Nos anos 80, a gaúcha Maria da Graça Meneghel desfilou pelo Brasil e estampou mais de 100 capas de revistas – por causa do trabalho de modelo e de seu namoro com Pelé. A convite do diretor Maurício Shermann, Xuxa – como viria a ficar conhecida – estreou na TV Manchete em 1983, no Clube da Criança. Três anos depois, foi para a Globo apresentar o Xou da Xuxa. Em poucos anos, conquistou o título do qual ela tanto se orgulha: rainha dos Baixinhos.
Hoje, aos 47 anos, Xuxa já gravou 16 discos para o seu público. Só com Xou da Xuxa (1988), vendeu 3,2 milhões de cópias. Em 1991, a revista Forbes apontou a brasileira na 37ª posição do ranking do show business internacional, com um faturamento de US$19 milhões por ano, à frente do astro Mel Gibson.
Ano que vem, ela completará 25 anos de Globo, sem fazer o sucesso de outros tempos. Os números comprovam. Hoje, seu programa, TV Xuxa, exibido aos sábados, rende audiência média de 10 pontos, contra os 24 pontos que a apresentadora dava em 1991. Ela se defende, dizendo que nem as novelas dão o mesmo Ibope de antes. É verdade. Mas as novelas não tiveram queda tão forte. Há dez anos, O Clone teve média de 48 pontos. Hoje, Passione tem dado 35 pontos, queda de 27% na audiência – bem menos que os mais de 50% sofridos por Xuxa.
Em entrevista ao JT, a apresentadora – que terá um especial de Natal, amanhã, às 21h55, na Globo – fala da sua atuação à frente da Fundação Xuxa Meneghel, que luta pelos direitos de jovens e adolescentes, da relação com a filha, Sasha, 12 anos, e se esquiva quando o assunto é vida amorosa. Confira:
Este ano, a Fundação Xuxa Meneghel completa 21 anos. Qual a maior dificuldade que passou com a instituição?
O fato de deparar com novas necessidades. As crianças precisam de tecnologia, de novos suportes para o desenvolvimento. Há sete anos, eu não recebia nenhuma ajuda. Agora, temos pessoas que sonham comigo. Quando várias pessoas sonham juntas, o resultado é muito melhor. Sempre que posso, vou lá. A Sasha já foi comigo algumas vezes. Mas ela tem as atividades dela. Por isso, durante a semana não sobra muito tempo.
Você pretende fazer outras ações beneficentes, como a que fez no Maracanãzinho, que vai ao ar amanhã, na Globo?
É o segundo show de Natal que fazemos lá. Se puder, quero fazer sempre!
Voltando à Sasha… você é o tipo de mãe controladora?
Se for necessário, sou, sim. Mas sempre respeitando o espaço da minha filha.
Preocupa-se da Sasha seguir seus passos?
Ela vai seguir o caminho que quiser. Eu sempre estarei por perto.
O que nunca deixaria a Sasha fazer?
Algo que a machuque.
Como é a sua relação com o pai dela, Luciano Szafir?
Melhor impossível!
O que você gosta de fazer com Sasha e nas suas horas livres?
Ficar com ela já é um ótimo programa. Ver filmes, viajar, brincar. Tudo é bom.
Do que mais você sente saudade da sua época de criança?
Do cheiro, do gosto das frutas, de poder comer tudo, de não ter grandes preocupações. Só precisava tirar notas boas.
Que hábitos preservou da época em que vivia no Rio Grande do Sul?
Não bebo chimarrão nem como carne. Mas o sotaque até hoje me persegue.
Seu pai lhe deu o nome de Maria da Graça em homenagem à Nossa Senhora da Graça. Você é devota de algum santo?
Eu sou católica e creio em Deus acima tudo. Respeito muito todas as religiões, mas rezo pros meus santos: São Judas Tadeu, Nossa Senhora Desatadora dos Nós, Nossa Senhora das Graças, São Francisco
Qual foi o momento mais difícil da sua vida? Por quê?
Não gosto de falar de momentos difíceis, eles já passaram.
E o que já fez e se arrependeu?
Acreditar demais nas pessoas.
Pensa em parar de trabalhar com o público infantil?
Com certeza, um dia isso vai acontecer. Quando? Não sei.
Gostaria de ter mais espaço na Globo?
A Globo sabe o que é melhor pra mim e pra eles. Estou tranquila.
Você já teve programas com Ibope elevado. Hoje, o quadro é outro. Sente falta de render altos índices de audiência?
Como no passado? Nem novela dá mais Ibope como antes. Isso não pode ser preocupação do artista, e sim dos diretores. Trabalho com diretores que brigam por mim: Roberto Talma e Mariozinho Vaz.
O que gostaria de fazer na TV?
Acho que já fiz de tudo um pouco.
Como se vê no trabalho e na vida pessoal daqui a 10 anos?
Com 57 anos, com muito mais experiência, mais madura e com mais histórias pra contar. Mas sem botox.
Por ser uma pessoa pública, sempre existem especulações em torno da sua vida amorosa. Como lida com isso?
Eu? Muito bem. Acho que a imprensa é que precisa lidar melhor com a minha vida amorosa.
Você tem medo de dar início a um relacionamento amoroso, por causa da repercussão?
Como assim? Você acha que se eu quiser ficar com alguém eu deixo de ficar porque podem falar? O que é isso? Se eu tivesse 20 anos, até poderia me preocupar com isso. Mas estou bem velhinha pra saber o que eu quero, quando e como.
Você está solteira?
Nunca casei.
O que falta acontecer na sua vida?
Falta viver tudo o que Deus me reservou.



José de Abreu

José de Abreu fala sobre drogas, aborto e política
31 de janeiro de 2011
13h25
ALINE NUNES Jornal da Tarde
José de Abreu gosta de dizer que, para ele, fazer novela das nove ou Malhação não faz diferença. Aos 64 anos e há três décadas atuando em obras da Globo, ele está prestes a estrear em ‘Insensato Coração’. Seu personagem, um homem que já foi famoso e agora vive na sombra do reconhecimento e do conforto que um dia teve, entrará na novela nos próximos capítulos. O personagem é um sujeito bem diferente de Zé – como o ator é chamado pelos amigos, que gosta mesmo é de trabalhar. E não teve vida fácil. Em 1968, aos 21 anos, passou 2 meses preso, vítima da Ditadura Militar. Depois, saiu do Brasil e foi viver em Londres, onde lavou pratos. Sua experiência seguinte foi como motorista de ônibus em Amsterdã. Na Grécia, foi servente de pedreiro. Para ele, o que vale é aproveitar a vida e agregar conhecimento, ainda que sob efeito de ácido. Como contou na entrevista a seguir. Confira:
O estilo do seu personagem (Milton) é bem recorrente nas novelas do Gilberto Braga. Não teve uma má impressão em fazer?
Não. Eu estava fazendo ‘Malhação’ quando o Dennis (Carvalho) estava dirigindo ‘Dalva & Herivelto’ (2010). Daí, encontrei com ele no Projac e fiz um verdadeiro escândalo, disse que tinha adorado a minissérie. Dei um abraço nele e falei: “Vamos fazer a novela do Gilberto (Braga)”. Pedi o papel, mesmo. Era para o Daniel Dantas fazer, mas ele ficou ocupado com o seriado ‘Aline’. Então, me chamaram para o lugar dele.
Quando você foi escalado para ‘Malhação’, se sentiu menosprezado por ser uma novela juvenil? Não. Eu pedi para fazer Malhação. Já tinha feito em 2003, com a Maitê (Proença). Eu adorei trabalhar com a meninada. Não fico preocupado de não ter personagem. A diferença que ganho de salário entre quando estou em casa e quando estou trabalhando é pequena. Mas gosto de sair de casa, ir para o Projac. Não vejo problema em fazer ‘Malhação’ ou novela das nove. Gosto dos jovens.
Mas você já chegou a dizer, no Twitter, que os jovens de hoje são muito hipócritas. Por quê?
Ah, foi numa discussão eleitoral. O Serra levantou na campanha as coisas mais retrógradas. Até essa coisa que o Índio(da Costa, o político do DEM, vice-presidente do José Serra nas eleições de 2010) começou a fazer, de relacionar o PT com maconha… Aí, brinquei que ele era surfista e surfista e maconha têm tudo a ver. Mas enfim… o que falei é que o jovem que usa droga no final de semana tem uma postura na campanha hipócrita, que não é a verdadeira.
Então, você estava defendendo a Dilma Rousseff?
Não é isso. Para mim, os jovens assumiram essa postura no Twitter só para penalizar a Dilma, como a mulher que aprova o aborto e a união entre pessoas do mesmo sexo. A juventude que odeia o PT defende uma postura do Serra que nem ele mesmo tem. A mulher dele fez um aborto, na época em que ele esteve exilado, no Chile. Aliás, até hoje a classe média faz muito aborto, frequenta clínicas de aborto na Tijuca, em Botafogo (bairros do Rio). É muito fácil fazer com cuidado, com preparo. Já a mulher que é pobre, mora no meio do mato, na favela, no interior, não pode fazer aborto. Tem de morrer. Isso é doido.
Você é a favor do aborto e da legalização da maconha?
Eu sou a favor da responsabilidade do cidadão. A mulher precisa chegar no SUS e dizer: “Estou grávida, mas não quero ter o filho”. Tem de ter um prazo, um tempo certo, o seguro. Tem de ser assim. Ela vai lá e faz porque quis fazer. Sobre as drogas… o crack você fuma uma vez e está viciado. Você nunca ouviu falar que a pessoa fumou tanta maconha e bateu o carro ou assaltou alguém na esquina. Convencionou-se socialmente que maconha é uma coisa de favelado. Por mim, a maconha tinha de ser liberada. O álcool provoca mais conflitos sociais. Não tem lei seca para a maconha. A maconha não muda nada na sua vida. No máximo, você vai sair rindo.
Você já usou?
Eu usava maconha, tomava LCD. Era normal. Eu morei em Londres. Lá era liberado. Ninguém dava bola. Mas não uso mais. Foi uma coisa política. O movimento hippie, do qual eu participava, não tinha aquela coisa de ficar sem tomar banho. Era uma coisa mais profunda. A maconha era uma coisa de comunidade, de todo mundo fumar o mesmo baseado.
Você nunca teve uma experiência negativa com ácido?
A gente não tomava ácido para fazer besteira. Tomava para ampliar o conhecimento. Mas a gente se cuidava. Uma vez, li um livro que falava de experiências dos índios da Amazônia, de tribos que tinham essa coisa de ampliar o conhecimento para atingir um outro nível de percepção da vida. Quando a gente fazia uma viagem, a gente se concentrava. E havia pessoas que não tomavam o ácido para poderem cuidar da gente. Era uma dificuldade enorme só pra trocar um disco (risos). Com alguém de fora, não precisávamos nos preocupar com isso.
Como você se manteve no tempo em que viveu em Londres?
Trabalhava das 11h às 15h, lavando pratos. Terminava o serviço, lavava a cozinha, colocava o lixo para fora e estava pronto. Depois, em Amsterdã, fui motorista de um ônibus de turismo alternativo. Depois, fui para uma ilha na Grécia e fui servente de pedreiro. Isso foi muito duro. Minha vida dá um livro. Tanto que estou há dez ano tentando escrever.
Por que você fala que foi tão duro quando viveu na Grécia?
Eu não aguentei muito como servente. O trabalho era muito pesado. Doía o corpo todo. Machucava muito a mão. Eu misturava cimento, cal e água e levava naquele carrinho de pedreiro. Era muito pesado. Eu morava numa Kombi. Comia basicamente arroz integral, feijão azul, muito grão, cereal e pouquíssima carne.
E foi nessa época então que você foi exilado e teve de deixar o Brasil? Aliás, qual foi o motivo?
Sim. Mas eu me auto exilei. Não fui perseguido. Fui preso no Congresso da UNE, em 1968. Fiquei dois meses preso. Sofri muito, mas não fui maltratado. Deus me livre de ser torturado. Eu sonhava todas as noites com isso. Só sabia de casos. Um vizinho tinha a casa invadida às 3 horas da madrugada, estupravam a mulher dele e ainda faziam o coitado confessar que tinha sido ele.
Por esse seu envolvimento político, que político brasileiro você gostaria de ser?
Ah, o Lula. Eu fui aprendendo a gostar dele. O Lula presidente virou uma coisa impressionante. Ele é muito sabido, tem uma grande sensibilidade política.
E quem é a pior figura no nosso cenário político?
O Paulo Maluf. O doutor Paulo, com aquela cara de pau, é imbatível. Ele fala as mesmas coisas há 30 anos. Qualquer jornalista pergunta e ele responde o que quer. Ele criou um personagem e acredita nisso. Um dia, encontrei com ele num evento e ele soltou aquele: “Meu amigo”. Íntimo mesmo, sabe? Mas eu tenho certeza de que ele não fazia menor ideia de quem eu era. Tudo cena.
Você está na Globo há 30 anos. O que faria você deixar a emissora?
Só sairia se fosse para fazer novela na Record. Mas isso não vai acontecer. A Record já me ofereceu uma fortuna, e a Globo cobriu. Gosto de ir lá (na emissora). Conheço todo mundo, do guarda do estacionamento ao cara da iluminação. Gosto de usar a camisa do Flamengo no dia seguinte a uma vitória do time e ver um monte de gente no Projac com a camisa.





"O futuro é um edifício misterioso que levantamos na terra com as próprias mãos, e que mais tarde deverá servir-nos a todos de moradia."Victor Hugo

O eterno contador de histórias

Basílio de Moraes Cavalheiro Filho (dezembro de 1916, março de 2011)
Quando criança, Basílio viu São Paulo ainda sob a luz dos lampiões a gás. Já idoso, divertia amigos contando que quando moleque de calças curtas, ele e os amigos corriam pelas ruas do Centro atrás do funcionário público que acendia os lampiões somente para ter o prazer de apagá-los.
Ainda jovem para lutar, participou da Revolução Constitucionalista de 1932 como mensageiro. Aos 16 anos ficou órfão de pai e foi trabalhar como office-boy. Participou de competições de natação no Rio Tietê e, na década de 1940, andou de moto em Interlagos . Estudou contabilidade e foi diretor do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, além de professor de Contabilidade Geral e Industrial. Além de seu próprio escritório, atuou na área de loteamentos em Serra Negra, Niterói e Ubatuba. No início da década de 50, conheceu Ubatuba, para onde mudou-se em 1959 e abriu na cidade uma loja de materiais de construção.(Diário de São Paulo)
Foi vereador várias vezes, presidente da Câmara e prefeito da cidade em duas gestões, na década de 1970. Adorava também o ritmo da cidade grande e, até poucos meses antes de adoecer, ainda morando em Ubatuba, vinha periodicamente a São Paulo. Em Ubatuba, onde morou até o fim da vida, tinha amigos em todos os lugares e, ao andar pela cidade, parava para cumprimentar e conversar com cada um deles, tomar um cafezinho e talvez comer um salgadinho. Parecia imortal. Mas, em 15 de março, aos 94 anos, partiu, deixando esposa, filhos e netos, que ficam com as boas lembranças de um incansável contador de histórias.

domingo, 27 de março de 2011

Ana de Hollanda ''O jogo é violento''

João Bosco Rabello e Julio Maria - O Estado de S.Paulo

27 de março de 2011

BRASÍLIA
Ministra da Cultura fala sobre as polêmicas de sua recém- iniciada (e já agitada) gestão


Ana de Hollanda sabia que o jogo seria violento. Seu irmão Chico Buarque avisou. Seus melhores amigos alertaram. "E, olha, confesso que está sendo mais violento do que imaginei", diz. A vaidade denunciada no cuidado com as unhas e o batom, a voz macia de cantora desde a juventude e a aparência de fragilidade escondem a determinação de enfrentar os conflitos gerados desde sua posse.
Poucas vezes se viu um início de gestão de tamanha turbulência na pasta da Cultura. Antes mesmo de tomar pé dos problemas herdados e ainda sem saber de qual orçamento disporia, foi alvo de furiosa campanha de segmentos insatisfeitos com seu primeiro ato: a retirada do selo Creative Commons do site do ministério.  CC oferece uma relação mais livre dos usuários com as obras artísticas, mas repassando o custo ao autor, instado a reduzir seus direitos autorais. O gesto lhe valeu a pecha de "ministra do Ecad", para classificá-la de retrógrada.
Esse e outros episódios resultaram na desistência da contratação do sociólogo e cientista político Emir Sader - convidado por ela própria para dirigir a Fundação Casa de Rui Barbosa- que a chamou pelos jornais de "meio autista". Uma ala do PT disse que a dispensa de Sader foi do Palácio do Planalto. Ana, aqui, diz que foi dela.
A aprovação de captação de R$ 1,3 milhão em incentivos para Maria Bethânia elaborar um blog de poesia reabriu velhas e espinhosas discussões referentes à Lei Rouanet. Ana considera o episódio "uma tempestade em copo d"água."
Na semana passada, ela ouviu do governo norte-americano, durante a visita de Barack Obama ao Brasil, preocupações em torno de propostas de flexibilização dos direitos autorais apresentadas por seu antecessor, Juca Ferreira. Na visão dos americanos, elas poderiam representar um estímulo à pirataria.
Nessa entrevista ao Estado, a ministra aborda diretamente esses e outros temas, garantindo que a ação do governo em relação aos direitos autorais terá como limite a não intervenção nas relações contratuais privadas.
A senhora até agora falou pouco e ouviu muito. Está sendo um começo difícil?
Qualquer anúncio de mudança gera insegurança. Por mais que tentemos esclarecer que estamos estudando as questões, as pessoas querem respostas imediatas. Aí começam a sair versões do que poderia estar certo ou errado. Eu nunca tive uma situação como temos agora, de sentar para responder.
Qual foi sua primeira impressão ao ler o projeto de lei do ex-ministro Juca Ferreira, que pede mudanças na atual lei dos direitos autorais?
Aquela proposta me assustou um pouco. O direito do autor está previsto na Constituição, é uma cláusula pétrea. Ele tem que ser respeitado. Comentava-se muito no meio cultural que as mudanças estavam deixando o autor em uma situação frágil em vários aspectos.
Por exemplo?
Quando se falava das cópias de um livro, por exemplo. Se essa obra for editada sem autorização, pela lei vigente, a obra seria recolhida e o infrator pagaria uma multa de, se não me engano, o equivalente a 30 mil cópias. A proposta de reforma já falava em multa de até 30 mil livros. Ou seja, a multa poderia ser de um, dez ou 30 mil. São detalhes que deixam o detentor dos direitos em situação frágil. 
As mudanças da lei propostas por Juca davam ao presidente da República poder para conceder os direitos de obras em casos especiais. A senhora já retirou esse poder do presidente e o repassou ao Judiciário. Qual é o limite da participação do Estado em questões ligadas aos direitos autorais?
Sinto ainda que existe uma interferência muito forte do Estado no projeto de lei e isso, de uma certa forma, vai infringir a Constituição. O direito de associação de artistas é permitido pela lei, é livre. Então o intervencionismo do Estado (na fiscalização do Ecad) é muito complicado. Mas entendo que é necessário haver, sim, uma transparência para os autores sobre seus rendimentos.
A senhora está dizendo que o Estado vai fiscalizar o Ecad?
Eles devem apresentar um balanço público (sobre o que arrecadam em direitos autorais).
O que a senhora discutiu com o secretário do comércio dos EUA, Gary Locke, durante a visita de Obama ao Brasil?
Ele estava muito preocupado com a questão da liberação dos direitos. De como a flexibilização no direito autoral pode acarretar mais tolerância com a pirataria. Isso não preocupa só os americanos, preocupa nossa indústria cinematográfica, editorial, fonográfica. Estão com medo de que essa produção seja fragilizada. É muito preocupante essa possibilidade de a gente liberar para o mundo nossa produção. Isso pode desestimular os artistas. Por que vão editar obras no Brasil se o Brasil não as protege?
Foi pensando assim que a senhora mandou retirar o selo do Creative Commons, que propõe maior liberdade nos licenciamentos de obras artísticas, do site do Ministério da Cultura?
Eu achei muito estranha a gritaria que esse caso criou. Aquele selo era uma propaganda dentro do site do MinC. Não existe a possibilidade de você fazer propaganda ali. A responsável agora sou eu e eu não podia permitir que isso continuasse.
A decisão da senhora então não foi ideológica?
Não, foi administrativa.
Então, ideologicamente, o que a senhora pensa dessa nova relação de direitos autorais proposta pelo Creative Commons?
A questão que me preocupa é que a concessão de direitos no Creative é irreversível. Há sempre um prazo para uso de direitos autorais. Eu posso ceder minha obra para tal uso por cinco, dez anos e depois eu posso reaver essa obra. Mas é bom dizer que essa decisão, de usar o Creative Commons, cabe unicamente ao autor.
Palavras da senhora no discurso de posse: "É importante democratizar tanto a produção quanto o consumo da cultura". A reforma na lei dos direitos autorais e o Creative Commons são em tese democratizantes, no sentido de que garantiriam que a cultura chegaria a mais pessoas. Democratizar está sendo mais difícil do que a senhora imaginou?
A democratização é possível sempre, mas ela tem de prever também o pagamento àqueles que criam. Um autor de um livro que trabalha dez anos com pesquisa vive disso. O direito autoral é o salário dele.
A internet foi o paraíso para muita gente, já que o preço de um CD se tornou inacessível para muitos. Como fazer com que esse consumo continue sem prejuízo para os autores?
Essa é uma questão, sim, que tem de ser estudada nos próximos passos que vamos dar. Agora há pouco, vi um estudo no Canadá que sugere cobrança dos direitos de provedores. Estamos nesse impasse entre a proibição absoluta - que é quase impossível, já que as pessoas estão baixando - e uma liberação que não prevê o pagamento de direitos.
Maria Bethânia teve a aprovação do Ministério da Cultura para captar via Lei Rouanet R$ 1,3 milhão para criar um blog de poesia. Qual a opinião da senhora sobre isso?
Isso foi uma tempestade em copo d"água. Projetos assim são aprovados mensalmente. A lei, que tem também modificação pedida no Congresso, prevê essa possibilidade. Não cabe a mim analisar ou interferir em uma questão que é julgada por uma comissão, que antes passa por pareceristas que analisam os preços e se o projeto é cultural ou não. E o mérito não é de qualidade, mas se é cultural ou não é cultural. Se os preços foram aprovados, está ok.
Ninguém contesta que o projeto de Bethânia seja legal, mas esse dinheiro não deveria ser garantido a artistas com menos recursos?
Olha, isso tudo está sendo revisto nessa reforma da lei que está no Congresso. Queremos favorecer mais o Fundo Nacional de Cultura, que poderá facilitar essa divisão melhor e que atenderia aos produtores que normalmente não atraem o patrocínio das empresas privadas. As empresas querem associar seus nomes a artistas consagrados, faz parte das leis de mercado.
E assim os departamentos de marketing acabam definindo a política cultural do País.
Sim, isso. A atual Lei Rouanet tem esse viés, que era necessário ser equilibrado. Chega a ser perigosa porque quase que exclusivamente se faz atividade cultural no País através da Lei Rouanet. Passou a ser imperiosa. Quando falamos da necessidade da cultura ser autossustentável, vejo como a Lei Rouanet foi prejudicial. Qualquer evento que se faz começa a ficar um megaevento e a ter custos mais altos. E para os artistas se inserirem nisso, precisam ter o nome forte. Agora, uma atividade mais experimental, nova, que não estiver no gosto do mercado, vai ter uma difícil aceitação. A Lei Rouanet viciou o mercado a trabalhar só através dela.
A senhora, como cantora, tentou emplacar projetos pela Lei Rouanet?
Eu não. Bem, até vi em um jornal que houve um proponente de um projeto meu que não foi aprovado, também porque a Lei Rouanet tem uma série de trâmites complicados. Acho que isso foi no período em que eu estava com o projeto de um disco e aí depois consegui trabalhá-lo de outras formas. Foi um projeto para ser aprovado, era um disco meu, sim, que depois acabei fazendo.
O grande público, alheio a Creative Commons, Lei Rouanet, direitos autorais, percebe que entra e sai ministério e uma coisa não muda: cinema, shows e teatro são cada vez mais caros. Como se muda isso?
Mas aí você está falando dos grandes, né? A Cinemateca, por exemplo, tem um acervo fantástico que distribui filmes para os pontos de cultura (centros de cultura nas periferias), os cineclubes estão crescendo. Você está falando das grandes estrelas.
Foi da senhora ou do Planalto a decisão de desistir da contratação do sociólogo Emir Sader para a Casa Rui Barbosa? (Em entrevista, Emir se referiu à ministra como "meio autista")?
Não, eu agi. Levei, conversei com o Palácio, sim, mas deixei claro que a decisão era minha, cabia a mim.
A senhora fala muito dos pontos de cultura, mas a situação deles é caótica, o dinheiro de alguns nunca chegou...
Já tive encontro com os representantes dos pontos. É assustador, porque são trabalhos em comunidades carentes. O princípio dos pontos é maravilhoso. O governo vai à comunidade e reconhece um trabalho cultural que já está sendo desenvolvido. Fazemos um trabalho para auxiliá-los, ajudamos a se equiparem melhor. Agora, alguns estão sem receber há algum tempo.
Não chegou o dinheiro de 2010.
Há outros que estão sem receber desde 2008. Alguns com problemas com documentação, mas há uma parte legal. E tem nosso orçamento que está bastante restrito, não só da Cultura, mas houve um corte grande.
Esse dinheiro chega este ano?
Já está sendo liberado. Vamos quitar com eles essa dívida.
Como a senhora, uma artista de formação e berço, chega para fazer política em Brasília?
Eu tive várias etapas da minha vida em que já passei por algumas experiências como esta. Estive envolvida na política pública em São Paulo.
Sim, mas Brasília é diferente. A senhora não sente dificuldades no jogo político?
Olha, em Osasco era um microcosmo disso, eu sentia lá também a pressão da sociedade, dos artistas, do executivo querendo fazer uma coisa mega. Eu sei que vou incomodar, você não pode atender a gregos e troianos. Agora, o fato de ser mulher ou ter um jeito delicado no falar não quer dizer que eu seja fraca ou insegura. Não sou nem um pouco insegura.
A senhora divide assuntos com seu irmão, Chico Buarque?
Eu acho que tudo o que ele não quer é que eu fique falando dos problemas do ministério (risos).
O Chico não queria que a senhora aceitasse o convite para ministra, certo?
Ele ficou assustado não por ele. Aliás, não só ele. Somos sete irmãos, todos ficaram assustados porque sabiam que o jogo era violento. E confesso que é mais violento do que eu imaginava. Porque esses movimentos organizados agiram com uma agressividade muito grande. E estão agindo ainda.
A senhora tem amigos na cúpula da música brasileira. Como ministra, está disposta a comprar briga com eles?
Eu acho que eles não vão brigar comigo, não. Como amigos, eu não os perco.
QUEM É
ANA DE HOLLANDA
CANTORA E COMPOSITORA
Nascida em São Paulo, em 1948, estreou musicalmente em 1964, no palco do Teatro do Colégio Rio Branco, no show Primeira Audição, integrando o grupo vocal Chico Buarque e As Quatro Mais. Já lançou quatro discos.